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Manuel Querino (Manoel Raymundo Querino)
Retrato de Manuel Querino constante do livro: "Artistas Bahianos (indicações biographicas)

QUERINO, Manuel Raymundo (Santo Amaro da Purificação, BA, ca. 28/07/1851 – Salvador, BA, 14/02/1923). Ofícios: Pintor-decorador, desenhista, artista, professor de desenho, jornalista, funcionário público da Secretaria de Agricultura e Obras Públicas, pesquisador, historiador, folclorista, etnógrafo, escritor.   Assinatura:   Dados biográficos – Por Maria das Graças de Andrade Leal Negro. Filho legítimo de José Quirino[...]

QUERINO, Manuel. Elementos do desenho
Quadro de alunos fundadores da Academia de Belas Artes da Bahia. Acervo da Escola de Belas Artes da UFBA.
QUERINO, Manuel. A raça africana, 1917. Dedicatória ao Conselheiro Ruy Barbosa datada de 1918.
QUERINO, Manuel. A raça africana, 1917.
QUERINO, Manuel. A raça africana, 1955.
QUERINO, Manuel. A Bahia de Outrora, 1916.
QUERINO, Manuel. A Bahia de Outrora, 1922.
QUERINO, Manuel. A Bahia de Outrora, 1946.
QUERINO, Manuel. A Bahia de Outrora, 1955.
QUERINO, Manuel. Bailes pastoris, 1957.
QUERINO, Manuel. Bailes pastoris, 1914.
QUERINO, Manuel. Bailes pastoris, dedicatória ao Conselheiro Ruy Barbosa datada de 1919..
QUERINO, Manuel. O africano como colonizador, 1954.
QUERINO, Manuel. A Arte Culinária na Bahia, 1951.
QUERINO, Manuel. A Arte Culinária na Bahia, 1928.
QUERINO, Manuel. Artes na Bahia, 1909.
QUERINO, Manuel. As Artes na Bahia, 1909.
QUERINO, Manuel. As Artes na Bahia, 1912.
QUERINO, Manuel. Artes na Bahia, 1912.
QUERINO, Manuel. Costumes africanos no Brasil, 1988.
QUERINO, Manuel. Costumes africanos no Brasil, 1938.
QUERINO, Manuel. Costumes africanos no Brasil, 2010.
QUERINO, Manuel. O colono preto como fator de civilização brasileira, 1918.
Retrato pintado de Manuel Querino, Graça Ramos, acrílica sobre tela, 2005. Acervo da Escola de Belas Artes da UFBA
LEAL, Maria das Graças Andrade. Manuel Querino entre letras e lutas.
QUERINO, Manuel. Elementos do desenho
Quadro de alunos fundadores da Academia de Belas Artes da Bahia. Acervo da Escola de Belas Artes da UFBA.
QUERINO, Manuel. A raça africana, 1917. Dedicatória ao Conselheiro Ruy Barbosa datada de 1918.
QUERINO, Manuel. A raça africana, 1917.
QUERINO, Manuel. A raça africana, 1955.
QUERINO, Manuel. A Bahia de Outrora, 1916.
QUERINO, Manuel. A Bahia de Outrora, 1922.
QUERINO, Manuel. A Bahia de Outrora, 1946.
QUERINO, Manuel. A Bahia de Outrora, 1955.
QUERINO, Manuel. Bailes pastoris, 1957.
QUERINO, Manuel. Bailes pastoris, 1914.
QUERINO, Manuel. Bailes pastoris, dedicatória ao Conselheiro Ruy Barbosa datada de 1919..
QUERINO, Manuel. O africano como colonizador, 1954.
QUERINO, Manuel. A Arte Culinária na Bahia, 1951.
QUERINO, Manuel. A Arte Culinária na Bahia, 1928.
QUERINO, Manuel. Artes na Bahia, 1909.
QUERINO, Manuel. As Artes na Bahia, 1909.
QUERINO, Manuel. As Artes na Bahia, 1912.
QUERINO, Manuel. Artes na Bahia, 1912.
QUERINO, Manuel. Costumes africanos no Brasil, 1988.
QUERINO, Manuel. Costumes africanos no Brasil, 1938.
QUERINO, Manuel. Costumes africanos no Brasil, 2010.
QUERINO, Manuel. O colono preto como fator de civilização brasileira, 1918.
Retrato pintado de Manuel Querino, Graça Ramos, acrílica sobre tela, 2005. Acervo da Escola de Belas Artes da UFBA
LEAL, Maria das Graças Andrade. Manuel Querino entre letras e lutas.
Referências
Bibliográficas

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VIANNA, Antonio. Manoel Querino. In: Revista do IGHBA, 1928.



Arquivísticas:

AN (Arquivo Nacional). Livro de Índice Geral dos Oficias da Guarda Nacional da Bahia, 1893.

Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador. Livro de Batismo, 1846 a 1854; Livro de Batismo, 09/07/1899 e Óbito em 1921.

APEB (Arquivo Público do Estado da Bahia). Inventário de Manuel Raymundo Querino. Tribunal Superior de Justiça, 1924.

APEB. Petição de Manuel Querino à Câmara dos Deputados de 12/06/1896. seção legislativa, maço 458.

APEB, Portaria de 30/11/1893

APEB. Relatório da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas, 23/10/1900

APEB. Acta da sessão de instalação da Sociedade Propagadora de Bellas Artes na Bahia, 11/06/1917

AEBA (Arquivo da Escola de Belas Artes). Atas das Seções da Congregação de 1881; 1882; 1883; 1892; 1894; 1895;

AEBA. Termos de Julgamento dos trabalhos de 02/06/1880, 08/02/1882 e 21/12/1883

Arquivo da Casa Pia e Colégio dos Órfãos de São Joaquim. Ata da Sessão do dia 14/7/1895

Arquivo do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia. Relatórios do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia de 1892-1893; 1893-1894; 1899-1900; 1900-1901; 1902-1903; 1903-1904; 1905-1906; 1906-1907; 1908-1909; 1909-1910; 1910-1911; 1923-1914; 1914-1915; 1916-1917; 1917-1918; 1919-1920; 1923-1925.


Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHBA). Caixa 1, Doc. 12.

Arquivo da Irmandade do Rosário dos Pretos. Lista de Irmãos que compõem a Mesa de 1920-1921.

Arquivo da Sociedade Protetora dos Desvalidos. Termo de Admissão da Sociedade Protetora dos Desvalidos, 1877; Relatório da Sociedade Protetora dos Desvalidos, 1879; Ata da Sessão do Conselho da Sociedade Protetora dos Desvalidos, 1880; Ata da Sessão do Conselho de 09/07/1879; Livro de Matrícula dos sócios da Sociedade Protetora dos Desvalidos, 1894; Série de Petições da Sociedade Protetora dos Desvalidos, 24/04 a 21/08/1895.


Arquivo da Sociedade Monte-Pio dos Artífices da Bahia. Livro de Entrada de Sócios.


Arquivo Municipal, Intendência, 1910

Arquivo Municipal: Atas da Câmara Municipal, 1891, 1892, 1895, 1897, 1898, 1899,

Fundação Gregório de Mattos. Arquivo Permanente. Orçamento e Despesa do Município para o ano de 1907. Lei no. 825 de 17/12/1906

 
Periódicos

Diário da Bahia, 23/06/1892

Diário de Notícias, 30/11/1899; 29/11/1900; 07/05/1909; 15/02/1923;

Jornal de Notícias, 24 e 31/01/1893

A Bahia, 24/05/1896

Cidade do Salvador, 13/07/1897

Diário da Tarde de Ilhéus, 11/04/1935

QUERINO, Manuel Raymundo (Santo Amaro da Purificação, BA, ca. 28/07/1851 – Salvador, BA, 14/02/1923).

Ofícios: Pintor-decorador, desenhista, artista, professor de desenho, jornalista, funcionário público da Secretaria de Agricultura e Obras Públicas, pesquisador, historiador, folclorista, etnógrafo, escritor.

Retrato de Manuel Querino constante do livro: "Artistas Bahianos (indicações biographicas)

Retrato de Manuel Querino constante do livro: “Artistas Bahianos (indicações biographicas)”

 

Assinatura:
Assinatura de Manuel Querino constante do livro: Artistas Bahianos (indicações biographicas)

Assinatura de Manuel Querino constante do livro: Artistas Bahianos (indicações biographicas)

 

Dados biográficos – Por Maria das Graças de Andrade Leal

Negro. Filho legítimo de José Quirino e de Luiza, foi batizado aos cinco meses de idade na Igreja Matriz de Santo Amaro, tendo como padrinho Joaquim da Silva Victor. Ao lado do registro, uma anotação: Manoel menor filho natural. Algumas suposições podem ser levantadas em torno das pistas sobre a sua filiação: poderia ter ocorrido, no ato de registro do batismo, um equívoco ou uma dúvida do escrevente quanto à situação legal da união dos pais de Querino? Por não ter a mãe o sobrenome correspondente, poderia ela ser uma escrava e só mais tarde teria adotado o sobrenome do seu senhor ou sua senhora Rocha Pitta, ou ainda, ter formalizado a união com o casamento? (Arquivo da Cúria. Livro de Batismo, 1846 a 1854, p. 220). Ao compararmos o batismo com o registro de casamento as interrogações aumentam: consta ser filho legítimo de José Querino com Dona Luzia (e não Luiza) da Rocha Pitta, e no de óbito diz ser “ilegítimo de Maria Adalgisa”. Poderia ter sido criado, por algum tempo, por Maria Adalgisa ao ficar órfão de pai e mãe? (Arquivo Público do Estado da Bahia, Inventário de Manuel Raymundo Querino. Tribunal Superior de Justiça, 1924).

Faleceu às 5 horas em sua residência no Matatu Grande, de insuficiência mitral de concomitância = paludismo (malária) aos 71 anos de idade, deixando a viúva D. Laura Querino e dois filhos, o violinista Paulo Querino e a professora Maria Anathildes Querino, sendo sepultado, por volta das 17h00min, no Cemitério da Quinta dos Lázaros, no carneiro no. 25 da Irmandade de Santa Cecília. A irmandade de Santa Cecília, segundo o próprio Querino, foi ereta primitivamente na matriz de Nossa Senhora da Conceição da Praia e reunia aqueles que exercitavam a profissão de músico – cantor ou instrumentista. Depois, passou a funcionar no convento dos religiosos franciscanos. Tinha por objetivo “socorrer os seus confrades, no caso de moléstia e decrepitude.” (QUERINO, A Irmandade de Santa Cecília em A Bahia de Outrora, 1946, pp.95-98; Diário de Notícias, 15 de fevereiro de 1923; Arquivo Público do Estado da Bahia, Inventário de Manuel Raymundo Querino. Tribunal Superior de Justiça, 1924).

Em 1855, aos 4 anos de idade, teria ficado órfão de pai e mãe, vítimas da epidemia do cólera que assolara o recôncavo baiano. Naquele contexto, uma amiga de seus pais o teria protegido por algum tempo, até encaminhá-lo ao Juiz de órfãos para que garantisse o futuro da criança. Encaminhado a Salvador, passaria a ser tutelado pelo professor, bacharel, político, poeta, escritor e jornalista Manuel Correia Garcia, fundador do primeiro Instituto Histórico da Bahia em 1856. Correia Garcia, homem educado na Europa e dedicado ao ensino seria quem primeiro despertou no espírito do seu tutelado “o amor ao trabalho e ao estudo”, segundo contemporâneos de Manuel Querino. Dois meses após a proclamação da República, Correia Garcia morreu (23/2/1890). (BARROS, J. Teixeira. Introdução em QUERINO, Manuel. A Bahia de Outrora, 1916; VIANNA, Antonio. Discurso Palavras proferidas pelo Consócio Antonio Vianna, Revista do IGHB, n°. 54, 1928, p. 306; Discurso proferido em a noite de 14 de março de 1923 no salão nobre do Centro Operário por Antonio Vianna)

No contexto da Guerra do Paraguai (1864-1870), Querino, por volta dos 17 anos de idade, teria se deslocado para Pernambuco e, de lá, para o Piauí, onde fora recrutado para a guerra. Foi levado para o Rio de Janeiro, onde serviu na qualidade de inferior no Exército Brasileiro na escrita de seu Batalhão de 28 de julho de 1869 a 6 de setembro de 1870. (BARROS, J. Teixeira. Introdução em QUERINO, Manuel. A Bahia de Outrora, 1916; Petição de Manuel Querino à Câmara dos Deputados de 12/06/1896. APEB, seção legislativa, maço 458).

Em 1870, a 1o. de março, Francisco Solano Lopez morria e a Guerra do Paraguai dava-se por encerrada. Naquele mesmo dia Manuel Querino havia sido promovido a cabo de esquadra, conseguindo baixa do serviço militar em outubro do mesmo ano. Em 1871, retornou a Salvador, passando a trabalhar como pintor-decorador, quando deu prosseguimento à sua formação escolar ao ingressar nos cursos de francês e português no Colégio Vinte e Cinco de Març

No ano seguinte integrou o grupo de artistas que aderiu à ideia de fundação do Liceu de Artes e Ofícios, “tendo assinado uma das listas paroquiais e se seu nome não [figurava] entre os instaladores da velha instituição [foi] porque só contribuiu com a primeira quota em 1874”, segundo Miguel Chaves, ex-diretor do Liceu. (CHAVES, Miguel. “Manoel Querino e o Lyceu”. O Democrata, 15/02/1923, p. 02). Em 1874 foi distinguido em francês, obtendo aprovação plena em português. Ali estudou preparatórios e iniciou-se no curso de desenho com o mestre Miguel Navarro y Cãnysares, tornando-se seu discípulo.

Aliou-se a seu mestre, o pintor espanhol Miguel Navarro y Cãnysares, saindo do Liceu de Artes e ofícios quando participou da criação da Academia de Belas Artes, em 17 de novembro de 1877.Foi contratado para os serviços profissionais de pintor, por ocasião das reformas do Solar Jonathas Abbott, local inicial de instalação. Manuel Querino teve, na Academia, seu nome incluído entre os alunos fundadores com a inauguração de um quadro de honra na sala das sessões em 1880. (LEAL, 1996; LUDWIG, 1977).

Em concurso promovido pela Academia de Belas Artes Querino em 1880, obteve “menção honrosa” pelo trabalho apresentado, como aluno da respectiva Academia.

A sua trajetória na Academia de Belas Artes, na República transformada em Escola de Belas Artes (1895), foi marcada por dificuldades para conseguir diplomar-se desenhista e depois arquiteto. Diplomou-se desenhista da seção de Arquitetura em 1882, após diversos requerimentos com variadas solicitações: marcação de exames, professores para matérias necessárias à continuidade da formação, seguidas de algumas polêmicas sobre negligências da congregação. (Arquivo da Escola de Belas Artes, Atas das Seções da Congregação de 31/01/1881; 19/02/1881; 14/04/1881). As condições de funcionamento da então Academia eram precárias, pois não tinha subvenções nem recursos próprios para funcionar, o que era realizado pela boa vontade e dedicação de seus instituidores. As aulas eram lecionadas gratuitamente. No mesmo ano obteve medalha de prata na exposição anual, na condição de expositor externo.

Segundo o próprio Querino, em verbete de Artistas Bahianos, em 1883 matriculou-se no curso de arquitetura, prestando exames de trigonometria retilínea, perspectiva, teoria da sombra e luz, mecânica elementar e, sendo aproveitadas as disciplinas do curso de desenhista, obteve aprovação plena no 1o. ano e distinta no 2o. (QUERINO,1911, p.146-149.) Em 1884 matriculou-se no 3o ano de arquitetura, frequentando as aulas de máquinas simples, de vapor e hidráulicas, empregadas nas construções civis, composição de edifícios e história da arquitetura. Não conseguiu prestar exames por falta de professor para a cadeira de resistência dos materiais e estabilidade das construções, o que lhe impossibilitou obter o diploma de arquiteto. (Arquivo da Escola de Belas Artes. Atas da Congregação da Academia de Belas Artes de 31/01/1881; 19/02/1881; 14/04/1881; 03/01/1882; 09/01/1882; 31/01/1882; 22/04/1883; 17/03/1883). Foi premiado em concursos promovidos pela instituição, com menção honrosa, como aluno (1880) e, posteriormente (1882 e 1883), como expositor externo, com duas medalhas de prata. (Arquivo da Escola de Belas Artes. Termos de Julgamento dos trabalhos de 02/06/1880, 08/02/1882 e 21/12/1883). A partir de 1883, Querino aparece nas Atas como pintor responsável por trabalhos de pintura do prédio da Academia por ocasião das exposições anuais. (Atas de 12e 22/12/1883; 10/11/1892). Fora também nomeado membro do júri da Exposição da Academia de Belas Artes de 1885.

Trajetória familiar – Por Maria das Graças de Andrade Leal

Manuel Querino casou-se em primeiras núpcias com Ceciliana do Espírito Santo Quirino, provavelmente entre 1878 e 1883, por ser solteiro em 1877, conforme requerimento de 15/10/1877 à Sociedade Protetora dos Desvalidos, e por ter nascido a sua primeira filha, Maria Anatildes Querino, por volta de 1883-1884. Deste casamento nasceram ainda Manoel Querino Filho, em julho de 1887, e falecido em 11 de setembro de 1908; Paulo Querino, entre 1889-1890, tornado artífice e violinista, falecido em 11 de abril de 1935 na cidade de Ilhéus, onde integrava o “Jazz Orquestra” do “Ilhéus Casino” (Diário da Tarde de Ilhéus, 11/04/1935); e Alzira Querino, em 19 de dezembro de 1894, crioula, no distrito de Santo Antônio, e batizada na Matriz de Santo Antônio em 9/7/1899. No registro de batismo consta ser crioula, filha legítima, cujos padrinhos foram Antônio Silvestre Cayme e D. Emiliana Moreira da Silva. Professora, faleceu solteira em 09 de maio de 1921, no Distrito de Brotas (Livro de Batismo, 09/07/1899 e Óbito em 1921). Provavelmente, entre o nascimento da 4a. filha em 1897, enviuvara. Casou-se em segundas núpcias com a também viúva Laura Pimentel Barbosa, em 23 de julho de 1897, com a qual não teve filhos. (Arquivo Público do Estado da Bahia, Inventário de Manuel Raymundo Querino. Tribunal Superior de Justiça, 1924).

 

Trajetória profissional – Por Maria das Graças de Andrade Leal

Como pintor-decorador, desenhista e arquiteto não diplomado, teria, nos anos de 1880, continuado a atuar no ofício de pintor. A partir de 1883, Querino aparece nas Atas da Academia de Belas Artes como pintor responsável por trabalhos de pintura do respectivo prédio por ocasião das exposições anuais. (Atas de 12 e 22/12/1883; 10/11/1892). Também teria atuado, por volta de 1887, em obras de pintura de bondes da Transportes Urbanos, para as quais foi por algum tempo encarregado, então contratado pelo comendador Costa Pinto na estação da Vitória. (A Bahia, 24/05/1896).

Manuel Querino deixou explícito o seu desejo de incluir-se entre os mestiços talentosos e merecedores de reconhecimento, especialmente por se colocar no rol dos artistas pintores em verbete de Artistas Bahianos (Op. Cit). Nele, Manuel Querino atribui a sua participação em diversos trabalhos de pintura: “Auxiliou seu mestre Cãnysares na pintura do atual pano de boca do teatro S. João e ao Professor Manoel Lopes Rodrigues, nos trabalhos da igreja de Nossa Senhora da Graça. Tem-se encarregado da pintura de casas públicas, particulares, bondes, do Hospital da Santa Casa de Misericórdia e do pano de boca de um pequeno teatro, com 20 palmos por 16.” (Querino, Artistas Bahianos, Op. Cit, p. 148). Esses trabalhos de pintura, ou ainda de possíveis obras de cavalete, não foram encontrados, e a curiosidade de estudiosos da arte em identificá-los permanece. Alguns deles teriam desaparecido, como os panos de boca do Teatro São João, em função do incêndio que o destruiu em 1922, e o outro por não se ter notícia alguma. Seus desenhos também são uma incógnita. O Plano de Casas adaptadas ao Clima do Brasil foi outro trabalho não identificado ao longo das pesquisas, apesar da insistência em localizá-lo. O jornalista Antonio Vianna, contemporâneo que escreveu dados biográficos sobre Querino logo após o seu falecimento, afirmou que se tornara mestre da sua arte conforme lhe qualificaram outros mestres. Era um artista de diversas artes:

No traço geométrico, no modular da escala cromática, no pincel ou na flauta ou no violão, em qualquer desses elementos artísticos o notaram com sabedor. Se não figurou nas galerias imortais dos pintores ou nos arquivos diletos dos executores clássicos, nem por isto deixou de revelar aquelas qualidades que o elevaram à estima julgadora dos seus coevos. Faltaram-lhe, naturalmente, as forças completivas para o triunfo, difícil na situação modesta em que viveu. (Revista do IGHBA, n° 54, 1928 , p. 310.)

Leite, em publicação dedicada a Manuel Querino por ocasião do centenário da abolição da escravatura no Brasil, interroga sobre o destino das suas obras e dos prêmios que conquistou nas exposições. (LEITE, 1988, p. 94). Outras indagações foram feitas por Jaime Sodré, pesquisador das artes que busca algum trabalho do gênero de Querino, ao levantar algumas hipóteses, como sobre o retrato existente na Sociedade Protetora dos Desvalidos, sem identificação de data nem autor, que poderia ser um desenho do próprio punho enquanto auto-retrato e outras relacionadas a estampas que ilustram alguns dos seus livros. (SODRÉ, 2001).

Somente no período republicano as informações sobre a sua atuação profissional tornam-se precisas. Em 1893 aparece nomeado 1o. Tenente da Guarda Nacional no segundo batalhão de posição na cidade de Salvador. Em documento não datado, possivelmente posterior a 1895, Querino aparece no “Livro de Índice Geral dos Oficias da Guarda Nacional da Bahia” no posto de Capitão da 7a. Brigada de Artilharia na Comarca de Maragogipe. Também em 1893 ingressou no serviço público, ao ser nomeado Auxiliar de Desenhista na então Repartição de Obras Públicas. No mesmo ano, o Governador do estado concedeu licença com ordenado por um mês para tratamento de saúde. (APEB, Portaria de 30/11/1893). Na reforma das repartições do Estado pela Lei 115 de 16 de agosto de 1895, a antiga Repartição de Obras Públicas passou a denominar-se Secretaria da Agricultura, Viação, Indústria e Obras Públicas, quando passou a exercer o cargo de 3o. Oficial. Apesar das diversas tentativas de auferir promoção a 2o. Oficial, Querino manteve-se no respectivo cargo até ser desligado compulsoriamente das suas funções em 1916 com vencimentos integrais.

Como artista, diplomado desenhista pela Escola de Belas Artes, em 1895 pleiteou o cargo de Professor da cadeira de Desenho Linear, para o qual fora preterido. O referido cargo foi ocupado por seu antigo colega e professor do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, Agripiniano Barros. Em requerimento à Congregação, Querino manifestou a sua frustração, sentindo-se prejudicado. (Atas da Sessão da Congregação de 21/11/1894 e 07/01/1895).

Apesar de não ter sido integrado à Escola de Belas Artes, no mesmo ano de 1895 foi contratado pela quantia de 60$000 o “sr. Tenente Manoel Raymundo Querino”, para exercer a cadeira de Desenho Industrial, pela Casa Pia e Colégio dos Órfãos de São Joaquim, onde permaneceu até às vésperas do seu falecimento em 1923. (Arquivo Casa Pia e Colégio dos Órfãos de São Joaquim – Ata da Sessão do dia 14/7/1895). Como professor de desenho industrial, Querino vai aparecer, a partir de 1905, no Liceu de Artes e Ofícios da Bahia. Manuel Querino ingressou como professor de Desenho Industrial, quando se ofereceu a lecionar gratuitamente, “por sua espontânea e excelsa generosidade”, permanecendo até às vésperas do seu falecimento, sendo substituído pelo professor e artista Philomeno Cruz. Era sócio do referido estabelecimento e, entre 1908-1909, foi tornado Sócio Benemérito pelos serviços generosos ministrados sem remuneração desde o início das suas aulas. A partir de 1909-1910 passou a receber uma gratificação de 50$000 mensais, quando aparece Professor de Desenho Geométrico. (Ver Relatórios do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia de 1892-1893; 1893-1894; 1899-1900; 1900-1901; 1902-1903; 1903-1904; 1905-1906; 1906-1907; 1908-1909; 1909-1910; 1910-1911; 1923-1914; 1914-1915; 1916-1917; 1917-1918; 1919-1920; 1923-1925.). No período, foi Delegado da Exposição Nacional, ocorrida no Rio de Janeiro em 1908.Também teria sido sub-comissário de Polícia. (IGHBA, Caixa 1, Doc. 12.)

Ao longo do seu percurso profissional, Manuel Querino associou-se a instituições mutuárias, as quais possuíam objetivos previdenciários, beneficentes, educacionais e políticos, além de irmandades religiosas. Em 1884 aparece como escrivão da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição do Tororó. Desde 1877 tornou-se sócio efetivo na Sociedade Protetora dos Desvalidos, então com 26 anos de idade, solteiro, pintor, morador à freguesia da Sé, permanecendo até cerca de 1879, quando teria saído em função de desarmonias com a direção. (Termo de Admissão da Sociedade Protetora dos Desvalidos, 1877; Relatório da Sociedade Protetora dos Desvalidos, 1879; Ata da Sessão do Conselho da Sociedade Protetora dos Desvalidos, 1880). Ali havia prestado serviços desde 1877 na função de visitador e também de escriturário nos anos de 1878 e 1879. (Livro Sociedade Protetora dos Desvalidos, 1875 a 1879; Ata da Sessão do Conselho de 05/03/1879). Recebia por este trabalho o ordenado de 5$000 (cinco mil réis). Em julho de 1879 foi multado em 1$000 “por faltas cometidas no cumprimento de seus deveres como escriturário”. (Ata da Sessão do Conselho de 09/07/1879). No contexto republicano e da sua inserção política no parlamento municipal, em 1892 solicitava a sua readmissão como sócio efetivo, o que foi sucessivamente indeferido pelo Conselho. Em 22 de agosto de 1894 o seu requerimento finalmente fora aprovado, conseguindo a sua readmissão sob a matrícula de no. 177. (Livro de Matrícula da Sociedade Protetora dos Desvalidos, 22/08/1894). Sobre seus dados: Professor; naturalidade: Bahia; Cor: preta; Estado: casado; Profissão: pintor; idade: 44 anos; Residência: cidade de Palha (Santo Antônio). (Livro de Matrícula dos sócios – ano 1894; Série de Petições da Sociedade Protetora dos Desvalidos, 24/04 a 21/08/1895). Readmitido na Sociedade Protetora dos Desvalidos, foi eleito, em 1895, para o Conselho Administrativo, assumindo a função de relator.

No Liceu de Artes e Ofícios, apareceu entre 1892-1893 como sócio na condição de “socorrido”, por estar doente e recebendo auxílio. (Relatório do Liceu de Artes e Ofícios. Bahia: Typ. E Encadernação do “Diário da Bahia”, 1894). Nessa instituição, foi sócio benemérito, professor, premiado com as medalhas de bronze, prata, e ouro, e premiado no mostruário de produtos baianos. (IGHBA, Caixa 1, Doc. 12.) Em 1893 está associado à Sociedade Monte-Pio dos Artífices sob número de matrícula 525 (Arquivo da Sociedade Monte-Pio dos Artífices da Bahia, Livro de Entrada de Sócios), em 1896, aparece também associado da Sociedade Monte-pio dos Artistas, bem como da Protetora dos Desvalidos, recebendo socorros de ambas em razão da hepatite, o que provocou o seu afastamento das atividades profissionais do Colégio dos Órfãos onde ensinava.

A sua inserção nos diversos espaços societários foi intensificada. Em 1898 aparece Presidente da Assembleia Geral da Sociedade Beneficente Auxílio Fraternal e em 1900 diplomado Sócio Benfeitor da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas, em agradecimento pela obtenção da Câmara Municipal, quando Conselheiro, de 500$000 (quinhentos mil réis) de subvenção, ainda em vigor. (Relatório da Sociedade Beneficente Bolsa dos Patriotas, 23/10/1900); Em 1909, 1o secretário do Club da Guarda Nacional (Diário de Notícias, 07/05/1909) e, em 1910 como vice-presidente com o título de capitão. (Arquivo Municipal, Intendência). Sócio-fundador da Sociedade Propagadora das Bellas-Artes, em 1917. (Acta da sessão de instalação da Sociedade Propagadora de Bellas Artes na Bahia, 11/06/1917); de 1920-1921 compôs a mesa administrativa da Irmandade do Rosário dos Pretos, eleito no cargo de “definidor”. (Lista de Irmãos que compõem a Mesa de 1920-1921). Também está presente em outras instituições como sócio benfeitor da Filantrópica dos Artistas, remido distinto da Sociedade Bahiana de Caridade, sócio efetivo do Centro Operário, da Beneficente do Professorado Bahiano, da dos Funcionários Públicos do Estado, do Grêmio Literário; Capitão da Guarda Nacional e sócio-fundador da Associação de Oficiais da dita milícia. Fora da Bahia, foi sócio correspondente do Instituto Histórico do Ceará e sócio da Sociedade Acadêmica de História Internacional de Paris, além de sócio correspondente da Exposição de Arte Religiosa de Petrópolis. (IGHBA, Caixa 1, Doc. 12.)

 

Trajetória política – Por Maria das Graças de Andrade Leal

Com o fim da Guerra do Paraguai e retornado em 1871 à Bahia, Querino passou a desenvolver uma luta individual, aperfeiçoando-se nas letras, artes e ofícios, e outra coletiva, ao participar, junto aos operários, artistas, artesãos e demais trabalhadores manuais e prestadores de serviços locais, de movimentos vinculados à defesa dos interesses de classe. Atuou em diversas frentes, associando-se às Sociedades mutuárias, bem como participando da fundação de outras com objetivos alargados, a exemplo da Sociedade de Artes e Ofícios (Liceu de Artes e Ofícios), em 1872, e da Sociedade Liga Operária Bahiana, fundada a 26 de novembro de 1876. Esta, em particular, tinha o objetivo de proteger os interesses dos artistas e operários da construção civil no mercado de trabalho de Salvador, em consequência do difícil período de 1874 a 1875 enfrentado para arrematações de obras. Teria “a classe oprimida em suas vantagens profissionais” movimentado-se para criar uma forma de “melhorar de vida”. Numa das discussões sobre os meios a serem utilizados na defesa dos interesses operários, o oficial de pedreiro Cornelio Cipriano Moreira propôs a criação de um juiz de ofício da classe operária, para decidir sobre habilitações, classificação, preço de trabalho, bem como “intervir junto aos poderes públicos em tudo quanto direta ou indiretamente afetasse os interesses da classe, conforme se praticara anteriormente à Independência.” (QUERINO, As Artes na Bahia, 1913, pp. 145/146).

Nas eleições gerais de 1876, foram integrados à Câmara 16 deputados liberais, no interior do debate da reforma eleitoral, com a eleição direta. Na Bahia, segundo Querino, da “propaganda pertinaz, insistente e perseverante (do Conselheiro Dantas), resultou a vitória (…) para eleitores e juízes de paz, das chapas denominadas de artistas, a exemplo do que havia ocorrido em 1864.” (QUERINO, 1913, p. 160). A partir de então, com a vitória do pleito, ficaram assentadas “as bases do elemento liberal nas classes trabalhadoras.” (Idem, ibidem). Assim Manuel Querino concluía: A propaganda prosseguiu e a ideia ganhou terreno. Como se vê partiu do conselheiro Dantas a introdução do operariado na política, como elemento de força, pugnando por uma ideia, no intuito de fazer valer o voto da classe. (Idem, ibidem)

Como militante permanente, considerado “uma das primeiras lideranças classistas do movimento operário baiano” (FOOT HARDMAN, 1988, pp. 75/76), ou ainda “pioneiro do trabalhismo no país” (LEITE, 1988, p. 91), Querino engajou-se nos movimentos abolicionista e republicano, associado às discussões que envolviam a atuação política das classes artísticas e operárias durante e após a abolição e a proclamação da república. Tais associações de interesse profissional foram importantes espaços de aprendizado e exercício políticos, nos quais seus associados discutiram e resolveram questões que os afligiam na vida e na morte, favorecendo a participação ativa nos modos de organização, em um processo crescente de ampliação das diretrizes iniciais, beneficentes e previdenciárias, ao incluirem outras de conteúdo civil, que iam desde a organização administrativa até o código penal, bem como a defesa pelo mercado de trabalho do operariado nacional, neste sentido composto majoritariamente pela população de cor e muitos egressos do cativeiro.

São indícios que apontam para o protagonismo de um grupo de artistas, operários e trabalhadores manuais na esteira dos acontecimentos político-sociais do Brasil monárquico. Envolvido no movimento liberal, na condição de artista e integrante da classe trabalhadora, Manuel Querino enveredou pela política partidária, talvez na tentativa de seguir o caminho da realização de uma política autônoma, livre da tutela dos dois partidos imperiais. Segundo seu contemporâneo J. Teixeira Barros, Querino havia militado pela primeira vez na política em 1878 “…como republicano, quando teve o seu nome indicado aos sufrágios do povo, tal o devotamento com que se empenhara na propaganda democrática”. (BARROS na Introdução de QUERINO, A Bahia de Outrora, 1916). A sua convicção de seguir em uma campanha autônoma, certamente foi motivada pela experiência vivida no interior da Liga, espaço em que aprendeu a lidar com as disputas políticas no contexto de uma monarquia falida.

A 1o de agosto de 1878, Manuel Querino, junto a outros 12 companheiros, assinava o Manifesto do Club Republicano fundado em Salvador, ao lançar candidatos às eleições daquele ano. Possivelmente Querino foi um dos indicados a concorrer. No texto do Manifesto foi explicitada a posição anti-monarquista e democrática defendida pelos signatários, perante os Partidos Liberal e Conservador que hegemonizavam o poder, considerando as experiências vividas pelas classes trabalhadoras ao apoiarem o Partido Liberal. (QUERINO, As Artes na Bahia, 1913).

No movimento abolicionista, Querino teria participado dos respectivos debates acompanhando os acontecimentos e publicando artigos na imprensa engajada, particularmente na Gazeta da Tarde, fundada em 1o. de maio de 1880 por Pamphilo da Santa Cruz, membro da Sociedade Libertadora Bahiana. Este periódico constituiu-se no órgão de divulgação daquela Sociedade, confundindo-se com a mesma. Suas reuniões eram realizadas na sede do próprio jornal. Estas foram características presentes no referido periódico, o qual “manteve-se coerente com sua linha abolicionista desde a fundação até sua extinção”.

As únicas referências sobre a participação de Querino no abolicionismo estão apoiadas nos depoimentos de contemporâneos como J. Teixeira Barros, Athayde Pereira e Antônio Vianna. A partir destes testemunhos, Querino foi identificado entre aqueles que estiveram envolvidos nos debates sobre a libertação dos escravos. Segundo J. Teixeira Barros, Querino havia escrito no ano de 1887 uma série de artigos sobre a extinção do elemento servil. (BARROS, 1916, p. 5) Considerando outros indicativos, Teixeira Barros, no mesmo texto, observou ter Manuel Querino se afastado da militância operária entre os anos de 1874 e 1885, afirmando que “por essa época o movimento abolicionista se derramava por todo o país e Manuel Querino declarou-se francamente partidário da libertação imediata e incondicional”. (IDEM, p. 6).

Segundo Brito, Manuel Querino esteve entre os participantes de menor destaque no movimento abolicionista, o que demonstra ter sido a sua presença relativamente anônima ou quase imperceptível junto aos grandes nomes politicamente situados nos âmbitos local e nacional. (BRITO, 1996) As buscas foram incessantes e infrutíferas nos arquivos e bibliotecas de Salvador e do Rio de Janeiro. Infelizmente, dos exemplares encontrados da Gazeta da Tarde do período, não foram identificados artigos assinados por Querino. Provavelmente, como era prática da época, utilizou-se de pseudônimo, como é sugerido pelo próprio Teixeira Barros em 1932: “Em ocasiões oportunas recorria à imprensa, ora veladamente, ora com a responsabilidade individual”. (Carta-prefácio de Prof. Manuel Querino sua via e suas obras de Gonçalo de Athayde Pereira, 1932, p. I.) Contudo, em documento localizado no Instituto Histórico da Bahia, no qual estão contidos dados do seu curriculum vitae, escrito pelo próprio Querino, teria sido condecorado com a medalha da Campanha Abolicionista da Bahia. (IGHBA, Caixa 1, Doc. 12.)

Não estaria fora de contexto ter, o jornalista Querino, fundado dois periódicos – A Província, criado em 20 de novembro de 1887 e extinto em 1888, e O Trabalho, fundado na República em 03 de fevereiro de 1892 e extinto no mesmo ano. Dos dois jornais fundados por Querino, foi encontrado apenas um número de O Trabalho – Ano 1, no. 9, de 6/03/1892. Estes veículos teriam divulgado suas ideias e convicções, tornando-o público e respeitado politicamente, quando passou a participar ativamente de eventos coletivos de operários e de pleitos eleitorais que o levaram a ocupar o Conselho Municipal por duas legislaturas – 1891-1893 e 1897-1899.

No curto período entre a abolição e a proclamação da República, Manuel Querino continuou a atuar em favor do operariado, buscando possibilidades de conseguir trabalho junto ao poder público. Manteve-se engajado na luta pela democracia e pela autonomia da classe operária. O seu maior ideal, conforme Teixeira Barros, era tornar o artista independente e autônomo da tutela da política.

De fato, ninguém se empenhou tanto pelo levantamento das artes na Bahia, como Manuel Querino e nenhum outro artista propugnou, com tamanha veemência, a união da classe operária de modo que viesse a constituir uma força, uma vontade, um poderoso elemento de ação, no seio da coletividade. (BARROS, 1916, p. 6)

Reforçando as dimensões democrática e libertadora nos seus ideais e lutas, Antônio Vianna identificou o nome de Querino

visceralmente ligado ao problema libertador, intimamente unido ao movimento operário no Brasil, confundido nos maiores ideais de independência e de evolução, seu nome ficará para honra de seu tempo definindo as qualidades elevadas do homem de cor. (VIANNA, 1928, p. 314)

A 30 de junho de 1889, meses antes da Proclamação da República, operários e artistas, vítimas de uma crise aguda de falta de trabalho e, consequentemente, de falta de meios de subsistência, discutiram em reunião no Liceu de Artes e Ofícios outras formasde superar o abandono em que se encontravam. Na ocasião foi sugerida a criação de um Partido Socialista, como estratégia de luta político-partidária a ser utilizada pelos trabalhadores. Manuel Querino foi um desses adeptos à ideia. Foi nomeada uma comissão para organizar as bases do Partido e ele ficou encarregado de publicar os “artigos de propaganda” na coluna socialista da Gazeta da Tarde. Contudo, o projeto foi abortado pelo professor e deputado provincial Antônio Bahia, presente na reunião. Considerando-se no direito de interferir no debate, por também ser “operário”, “vinha prestar o seu concurso e guiá-los com dedicação, para o bem das classes desprotegidas”. Analisou a petição, identificou incoerências e a reelaborou apresentando outras soluções possíveis para o governo pôr em prática para “melhorar ou conjurar a crise”. Num misto de decepção e admiração, Querino observou: “Com muita habilidade e sutileza de provecto parlamentar, o professor Antônio Bahia combateu a ideia do partido socialista, baseando-se nos horrores praticados na Europa”. (QUERINO, As Artes…, p. 154)

No ano seguinte, com a república proclamada, Querino integrava o grupo de 56 artistas e operários na fundação do Partido Operário da Bahia, em reunião de 5 de junho de 1890 na residência do artista Elisiário da Cruz, eleito presidente provisório. O objetivo era garantir a organização operária desligada dos partidos tradicionais e a participação com candidatos próprios para as eleições da Assembleia Constituinte que se organizava para acontecer em 15 de setembro. Houve dificuldades de alinhar tendências no interior do Partido, constituídas por duas correntes rivais lideradas por Domingos Silva e Manuel Querino, respectivamente. O Partido ficou cindido entre duas facções: uma denominada “Comissão Central Promotora do Partido Operário”, composta pelo grupo de Domingos Silva, e outra denominada “Diretório da Luso-Guarany”, pelo grupo de Manuel Querino. A questão principal esteve relacionada à soberania e autonomia da classe artística e operária desvinculada das demais classes e políticos de plantão. Em 3 de agosto o industrial Gonçalo Pereira Espinheira tomava posse para chefiar o Diretório da Luso-Guarany. Nas eleições a deputado à Constituinte Federal, o Partido Operário e a chapa dos artistas representada por Manuel Querino e Edistio Martins foram derrotados.

Para as eleições à Constituinte Estadual, em 1891,Manuel Querino saiu candidato a deputado pelos artistas e por outros eleitores, cujo resultado foi mais uma derrota. Contudo, continuou na luta pela organização operária, como representante do Diretório da Luso-Guarany, que passou a se apresentar pela imprensa como “Conselho Diretório da União Operária”. A sua mobilização política atraiu, possivelmente, os interesses das elites políticas que o conduziram, no mesmo ano, por nomeação, ao Conselho Municipal permanecendo até 1892. Foi quando, a 3 de fevereiro, fundou o jornal O Trabalho, folha bissemanal, que funcionou até novembro do mesmo ano.

Através da União Operária Bahiana, Manuel Querino garantiu não somente a sua nomeação para o Conselho Municipal, mas uma importante interlocução com as agremiações operárias do Rio de Janeiro, o que lhe garantia “conhecer de perto o movimento, no país, em relação à classe”. (QUERINO, As Artes…, p. 174). Por ocasião da preparação do Primeiro Congresso Operário Nacional, Manuel Querino recebeu do presidente do Partido Operário do Brasil, Luiz da França e Silva, convite para os operários baianos fazerem parte do Congresso. O envolvimento de Manuel Querino no Primeiro Congresso Operário Nacional que se organizava na cidade do Rio de Janeiro com a participação do Centro Operário Radical, Centro do Partido Operário e Partido Operário Socialista daquele Estado, revelou a sua capacidade de articulação para enviar representações baianas para incluírem-se nas discussões e encaminhamentos de questões de interesse da classe, com propostas de garantia de direitos trabalhistas e sociais. O Congresso ocorreu entre 1o de agosto e 5 de setembro de 1892 e a Bahia enviou os artistas Argemiro de Leão e Candido Brizindor. Segundo Querino, o feriado de 1o de maio, o dia do trabalho, se constituiu na deliberação mais importante resultante do Congresso. (Diário da Bahia, 23/06/1892, em As Artes, Op. Cit., p. 174/175).

As primeiras eleições municipais realizadas em 18 de dezembro de 1892 definiram a nova composição do Conselho. Manuel Querino, além de concorrer a uma vaga no Conselho, ficou responsável pela presidência de mesa da 2a. seção na Freguesia da Sé, do 5o. ao 8o quarteirões (243 eleitores). (Atas da Câmara Municipal, 05/11/1892 e 18/11/1891). Apesar de eleito no 21o. lugar, Querino não foi empossado, pois apenas 12 assumiram o cargo. (Jornal de Notícias, 24 e 31/01/1893). Entre 1893 e 1897, continuou se movimentando em busca de articulações políticas no meio operário e da sobrevivência. (LEAL, 2009). A sua inserção nos variados espaços de sociabilidade foi intensificada, especialmente naqueles de característica popular, como foi o caso da Sociedade Protetora dos Desvalidos. Também participou, em 1894, da fundação do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, tornando-se sócio-fundador e honorário. Este era um mecanismo relacionado a fatores de ordem política e social, o que lhe proporcionou o aumento de adesões que lhe garantiram, em 1897, a recondução, por eleição, ao Conselho Municipal.

Com a desarticulação do Partido Operário, que ocasionou, em 1894, a criação do Centro Operário da Bahia por Domingos Silva e seus aliados, Manuel Querino, apesar de ter-se tornado sócio, ficou desalojado e sem influência necessária para viabilizar o seu projeto de união da classe operária, bem como de desenvolver sua articulação política junto às bases operária e artística.

Pelas eleições de março de 1895, Querino foi convocado pelo Conselho Municipal, entre os “imediatos”, para a organização das novas mesas eleitorais. (Ata da Câmara Municipal, 20/02/1895). Nas eleições municipais de 1896, disputou a Intendência (Conselho) pelo Partido Republicano Federal da Bahia, fundado em 1894, que agrupava os “vianistas”. Foi criado em conseqüência da cisão do Partido Republicano Federalista, cujas facções se organizaram em torno das lideranças de Luiz Vianna e de José Gonçalves. Os “gonçalvistas”, por sua vez, fundaram no mesmo ano o Partido Republicano Constitucional, iniciando-se o período do “bipartidarismo” (1894-1901). (SAMPAIO, 1978) No ano seguinte Querino, como primeiro suplente, foi empossado no Conselho Municipal. (Ata do Conselho Municipal, 16/01/1897)

As eleições de 111 de julho de 1897 para 7 vagas a membros do Conselho Municipal refletiram, no âmbito local, as divergências políticas permaneciam nos Partidos Republicano Federal da Bahia e Republicano Constitucional. Novamente eram reorganizados com modificações nos seus quadros, em consonância ao que ocorria no plano federal, em cujo cenário a rebelião camponesa de Canudos (1896-1897) no sertão da Bahia foi o destaque. O Partido Republicano Constitucional, comandado por José Gonçalves, por sua vez, aproximou-se da facção “glicerista”, atacando os governos Prudente de Morais e Luiz Vianna e apoiando as candidaturas oposicionistas. Foi neste contexto que nas eleições municipais Manuel Querino foi eleito pela chapa constitucional, obtendo 1660 votos, sendo o mais votado entre os 10 eleitos. (Cidade do Salvador, 13/07/1897)

Até 1899 Manuel Querino permaneceu no Conselho com uma atuação comprometida, desenvolvendo um trabalho ativo nas Comissões de Obras, Indústrias e Profissões e de Alinhamento e Nivelamento, interferindo para a melhoria das condições urbanas. Entre tantos projetos que propôs e defendeu, os relacionados à urbanização e ordenamento da cidade se destacaram, tais como aqueles referentes a asseio, arquitetura, iluminação pública, calçamento de ruas, transporte urbano, saneamento, autorização de contratantes de obras e serviços públicos, habilitação de motorneiro de carros elétricos, construção e exploração de ferrovias, etc. (Atas do Conselho Municipal, 1897-1899).

Os dois últimos anos em que cumpriu seu mandato (1898-1899) assumiu a função de 2º secretário da Mesa e participou das Comissões de Obras e Alinhamentos e de Polícia, Milícia e Fiscalização, além de Redação. Intensificou sua atuação, sendo mais ostensivo na fiscalização da cidade, persistindo para o restabelecimento e criação de cadeiras públicas de ensino, bem como para o pagamento de professores. Procurou organizar o quadro do funcionalismo público municipal e regular os preços nos serviços de fornecimento de água, pressionando a intendência a baixar preços de tarifas dos transportes, dos gêneros de primeira necessidade, em função da crise de abastecimento que atingia diretamente a população trabalhadora.

A sua passagem pelo Conselho foi marcada por muitas derrotas e algumas vitórias. Deixou um projeto de relevância para a cidade, o qual fora desenvolvido pela administração seguinte. Foi o Projeto de Lei no. 19 de construção, em caráter de urgência, de um cais na Paciência, no arrabalde do Rio Vermelho, distrito da Vitória e aprovado sem discussão. (Atas do Conselho Municipal de 20/04/189; 6/06/1899; 04/08/1899). No ano seguinte foi realizada cerimônia conduzida pelo intendente eleito José Eduardo Freire de Carvalho Filho, quando “bateu a primeira pedra para a construção do projetado cais da Paciência, obra de há muito reclamada como necessária… ”. Estiveram presentes os Conselheiros Municipais e Governador do Estado Severino Vieira. A notícia publicada pela imprensa destacou ter sido aquela obra iniciada “no seio do Conselho Municipal desta capital, aos vinte dias do mês de abril de mil oitocentos de noventa e nove, quando o cidadão Manuel Raymundo Querino, como membro do conselho municipal, apresentou o referido projeto….”. E assim foi avaliada a respectiva atuação do Conselheiro:

Manda a justiça que se registre aqui o pronto andamento desse projeto, que teve da então comissão respectiva, composta dos srs. José Alves Ferreira, Dr. Manuel de Assis Souza e Manuel Raymundo Querino, parecer favorável de modo que há 18 de agosto de mil oitocentos e noventa e nove, o honrado sr. Dr. Antonio Victorio de Araujo Falcão, cuja passagem no cargo de intendente interino ficou assinalada por muitos e relevantes serviços ao município, transformou em lei esse projeto, que recebeu o no. 25. (Diário de Notícias, 29/11/1900)

Apesar de novamente concorrer às eleições municipais de 1899, não conseguiu se reeleger. Foi o período de ascensão de Severino Vieira ao Governo do Estado (28/05/1900), marcando a institucionalização da política dos governadores na Bahia, montada, em nível federal, por Campos Salles (1898-1902). A partir de então, deixou de participar do jogo da política oligárquica que se instaurara em torno dos interesses agro-comerciais, quando passou a se dedicar à “militância intelectual”, no magistério e na produção intelectual, contribuindo com a publicação de diversos trabalhos de conteúdo histórico, artístico, etnográfico, cultural, cujos protagonistas foram a população trabalhadora, constituída por artistas, artesãos, operários, e a população negra e mestiça representada pelos africanos e descendentes. (Diário de Notícias, 30/11/1899).

 

Trajetória intelectual – Por Maria das Graças de Andrade Leal

Apesar da lacuna existente sobre a sua produção artística, a obra histórica, etnográfica, política, sociológica que criou se constitui em fonte de informações sobre as artes, artistas, africanos escravizados, afro-brasileiros livres, libertos e escravos, a população trabalhadora do passado colonial, imperial e republicano.

Ilustre escritor e artífice baiano”, “professor-pesquisador-historiador”, “precursor do design brasileiro”, “ícone do design baiano” são alguns atributos consagrados após o seu falecimento ao militante e político engajado nas causas da liberdade e da inclusão social de trabalhadores, artistas, operários, negros e pobres que reivindicavam cidadania na prometida República. Através do IGHB e de articulações com periódicos e gráficas locais, Querino veiculou e perpetuou suas ideias, tornando-se sujeito emblemático, por ter-se debruçado nos estudos e nas pesquisas que inauguravam o debate em torno da identidade brasileira, cujo principal fator identitário estava marcado pelos saberes e fazeres da população africana e seus descendentes.

Como intelectual afro-brasileiro, se interrelacionou com os universos das culturas ditas popular e erudita. Nos campos de lutas cotidianas estabelecidas nas ruas, terreiros de candomblé, associações artísticas e operárias, nos botequins, bem como nos círculos políticos e de letrados, como nos partidos, no Conselho Municipal, nas academias, no IGHB, nos Colégios, Manuel Querino experimentou, articulou, analisou criticamente e produziu a sua literatura, destacando as contradições presentes na sociedade brasileira e baiana em particular no interior da nova ordem republicana que aderia ao ideal de “civilização” e “progresso” na esteira do poder da ciência. Como pesquisador, Querino enveredou pela história do africano, do negro nacional, das camadas populares, dos trabalhadores, dos artistas, dos operários que, para ele, se constituíam em foco das preocupações intelectuais, sociais e políticas, apoiando-se nos princípios positivistas em voga, e associando recursos da memória e da oralidade.

Entre 1903 e 1922, produziu a sua escritura na perspectiva da história-testemunho enquanto participante, observador, pesquisador crítico que viveu em um período de muitas transformações no interior de tantas outras permanências que marcaram os processos que culminaram na abolição da escravidão e implantação e “consolidação” da República no Brasil. Os “heróis” e “grandes eventos” fixados por Querino foram retirados do meio popular e do seu cotidiano. Foram registros mais ou menos ordenados de acontecimentos fortuitos, de tradições de grupos africanos remanescentes da escravidão, ameaçados de extinção e fadados ao esquecimento. Seus escritos inauguraram, junto com Nina Rodrigues, estudos e registros sobre o africano como constitutivo de uma identidade em construção. (LEAL, 2009)

A sua obra está distribuída em duas fases que se complementam. A primeira, realizada entre 1903 e 1914, se caracterizou pela produção de ensaios, artigos, crônicas publicados em periódicos e livros que retratavam, criticamente, a situação das artes e dos artistas, dos trabalhadores manuais no contexto da recém-implantada república. No campo das artes, Querino, além de ter realizado trabalhos de pintura decorativa e, provavelmente, pintura de cavalete, elaborou, ainda estudante, o estudo “Modelos de casas escolares adaptadas ao clima do Brasil” para o Congresso Pedagógico do Rio de Janeiro em 1883 e produziu dois manuais didáticos para o ensino de Desenho – O primeiro, Desenho Linear das Classes Elementares, foi organizado em 1903, e o segundo Elementos de Desenho Geométrico – compreendendo noções de perspectiva linear, teoria da sombra e da luz, projeções e arquitetura, publicado entre 1911-1912, os quais podem ser considerados precursores do que atualmente conhecemos por design.

Sobre as duas obras didáticas que produziu para o ensino de Desenho, Athayde Pereira informou terem sido “aprovadas pelo Conselho de Instrução Municipal e levadas à Exposição Nacional no Rio, em 1908, conseguindo por todas elas recompensas de mérito.” (PEREIRA, Prof. Manuel Querino, sua vida e suas obras, 1932., p. 5). Foram as primeiras elaborações intelectuais que dedicou à arte. Outras se seguiram na perspectiva histórica, o que lhe garantiu o lugar de pioneiro da historiografia da arte. Como historiador da arte, deixou registrado em artigos, depois reunidos em dois livros, seu testemunho, baseando-se na memória, estudos e pesquisas apoiadas, sobretudo, na oralidade, que ainda hoje são importante fonte de informações para os estudiosos da área: As Artes na Bahia e Artistas Bahianos. Em 1914 publicou Bailes Pastoris, onde estão compiladas músicas e letras dos bailes pastoris, representativas da cultura religiosa popular.

O livro As Artes na Bahia (escorço de uma contribuição histórica)teve a sua primeira edição em 1909 e a segunda em 1913. A primeira reuniu artigos publicados no jornal Diário de Notícias entre 1908 e 1909 sob o título “Contribuição para a História das Artes na Bahia”. Foi rodada gratuitamente na tipografia do Lyceu de Artes e Ofícios por deliberação da sua diretoria, presidida por Manoel Eustáquio de Oliveira Pinto (Jornal de Notícias, 02/11/1909, p. 01). Teve sua segunda edição ampliada e publicada em 1913 pelas Officinas do Diário da Bahia. Nesta foram reunidos os mesmos artigos da anterior com acréscimos de outros publicados no Jornal de Notícias também durante os anos de 1908-1909. Trata do tema das artes em seus aspectos históricos, sociais, políticos e produtivos, através de biografias e debates sobre questões relativas a trabalhadores artistas e operários. Arquitetura, Escultura, Monopólio do Ensino, Exposições artísticas e industriais, decadência das artes, Desenho Geométrico, classificação das artes, teatros da Bahia, traços biográficos de diversos artistas e alguns artigos sobre operários políticos, movimento operário na República e Congresso Operário são temas que retratam a criticamente a situação das artes e das profissões na República e, em conseqüência, a situação de penúria dos artistas e trabalhadores em geral. Trata-se de um texto carregado de conteúdo político. Neste estudo, Querino estabeleceu a relação entre trabalho e arte nas diversas expressões, inseridas no contexto de transformações socioculturais e políticas experimentadas pelos artistas e artífices no processo de formação do operariado urbano. Inaugurou, nesse sentido, uma forma de registro articulado à memória e às pesquisas documental e oral, inserindo social e politicamente o tema da arte e do trabalho nas discussões que transitavam em torno da montagem de uma república disfarçada de democracia e que tratava com indiferença as suas tradições coloniais e imperiais representadas pela população trabalhadora. Ou seja, pela mão de obra negra, mestiça, que remetia ao passado escravista. Ressaltou a existência de artistas que deixaram valiosas obras e denunciou as condições de abandono, de miséria, de esquecimento em que viviam – realidade inspirada nos princípios da civilização e do progresso, em que o novo substituía o passado, relegando-o ao esquecimento. Certamente foi quem iniciou uma discussão a respeito da preservação do patrimônio e do resgate das matrizes culturais afro-brasileiras, somente abertos nos anos de 1930.

Artistas Bahianos: indicações biográficas, também teve a sua primeira edição em 1909, publicada pela Imprensa Nacional, e a segunda em 1911/1912 pela Officina da Empresa ‘A Bahia’. Por ocasião da publicação da primeira edição, a Intendência autorizou a inclusão no orçamento do Município para despender “1:000$000 para auxílio da publicação das obras ‘Artistas Bahianos’…” (Fundação Gregório de Mattos. Arquivo Permanente. Orçamento e Despesa do Município para o ano de 1907. Lei no. 825 de 17/12/1906). A segunda edição foi distribuída gratuitamente e vendida por 10$000 (dez mil réis), respectivamente, a diversas pessoas e instituições, conforme lista de mais de cem nomes. Alguns exemplares foram entregues gratuitamente para: Monsenhor Lino d’ Almeida Fonseca; Dr. José Gonçalves da C. Sincurá; José Teixeira Passos (mais 3 volumes); Estado de São Paulo (Dr. Paulo Ramos e outros- 10 exemplares); e outros foram vendidos ao Cel. Germano de Assis Jr.; Pedro Gonçalves (Fotógrafo); José Maria da Conceição; Presciliano Silva; Manuel (Colégio S. Joaquim); Cel. Arthur Santos (Liceu de Artes); Dr. Amaral Moniz; João da Veiga Ornellas, etc. e outros destinados a redações de jornais do Rio de Janeiro como “O Imparcial”; “O Commercio”; “O Paiz”. Armando Américo Cardoso, companheiro de Querino, referiu-se em necrológio que escreveu, às boas relações cultivadas por Querino com publicistas como Oliveira Lima, Gonzaga Duque e outros no Rio, São Paulo e no norte do País. A todos que solicitavam trabalhos seus, Querino os atendia, “remetendo-os sem remuneração alguma.” (Boletim da Agricultura, Commercio e Indústria. Imprensa Official do Estado, 1923. Por Armando Américo Cardoso, em 23 de março de 1923). Ruy Barbosa foi uma das personalidades que recebeu de Querino publicações como As Artes na Bahia (1913), Bailes Pastoris (1914) e A Raça Africana (1917).

Trata de biografias de artistas, organizadas em verbetes, os quais são apresentados nas suas diversas áreas de atuação: pintura, escultura, música, arquitetura, desenho, engenharia, construção, carpintaria, marcenarias, gravura, música, etc. São pequenas biografias profissionais (currículos), considerados por Querino os mais importantes para a história das artes na Bahia, que elogiam a atuação do artista nacional e local, incluisve do próprio Querino. Narrando e rememorando fatos, recuperou biografias de artistas contemporâneos, produzindo uma memória da produção artística através de sujeitos históricos, social e profissionalmente desprezados pelo avanço das técnicas e dos monopólios, bem como do preconceito e discriminação para com o trabalhador nacional, em sua maioria composta por negros e mestiços, livres ou egressos do cativeiro. No trabalho de resgate das atividades de artistas, autores de obras que ornamentavam igrejas, edifícios públicos e privados, fossem eles laureados ou não, Querino procurou recuperar talentos despercebidos na história da Bahia e do Brasil. Elaborou, desta forma, uma história social da arte associada à história do trabalho, ao relacionar aspectos da produção artística à situação social de seus autores, na condição de trabalhadores que viviam da sua arte. Com a intenção de demonstrar, através de obras e autores, a riqueza artística produzida na Bahia e no Brasil, Querino pretendeu dignificar artistas anônimos. Nesse sentido, o seu trabalho de recolher nomes, aqui e acolá, na sua maioria de origem pobre, foi uma resposta que pretendeu dar àqueles que desdenhavam da produção artística brasileira, ou ainda, do trabalhador nacional – de maioria negra e mestiça. (LEAL, 2009).

Na segunda fase (1916-1922), estudou e narrou a vida do povo e seus costumes utilizando-se de documentos arquivísticos, bem como da memória e da oralidade, recuperando o cotidiano popular, bem como as tradições africanas, enfatizando a contribuição do africano na constituição da civilização brasileira. Nessa fase, mergulhou numa outra interpretação sobre os caminhos e descaminhos experimentados pela população de cor após a abolição da escravidão até a consolidação da República. Deixou transparecer uma profunda angústia ao concluir que, além de humilhado socialmente, os negros, os artistas e trabalhadores eram humilhados e discriminados culturalmente, especialmente por se tratar da sua origem étnica-racial.

Em 1916 participou do 5o Congresso Brasileiro de Geografia, que aconteceu entre os dias 7 e 15 de setembro de 1916 em Salvador, com a apresentação do trabalho A raça africana e seus costumes na Bahia, em 14 de setembro, como único estudo de conteúdo racial no rol de outros específicos da área de geografia e história natural. (Ver notícias nos Jornais Diário da Bahia e Diário de Notícias de 02 a 16 de setembro de 1916). Este trabalho foi publicado no mesmo ano nos Anais do 5o. Congresso Brasileiro de Geografia e, em 1917, fora publicado individualmente pelas Oficinas do Diário da Bahia. Depois, em 1938 foi inserido na coletânea Costumes Africanos no Brasil, organizada e prefaciada por Artur Ramos. Nessa coletânea foram reunidos os seguintes títulos: 1. A Raça Africana e seus Costumes na Bahia – com apêndice: Candomblé de Caboclo; 2. O colono preto como fator da civilização brasileira; 3. A arte culinária na Bahia; 4. Notas de folclore negro (excertos de A Bahia de Outrora). Novamente foi publicada em 3. edição em 1955 pela Livraria Progresso integrando a coleção “Estudos Brasileiros” e, por fim, em 2. edição de Costumes Africanos em 1988, organizada, prefaciada e com notas de Raul Lody e apresentação de Thales de Azevedo, por ocasião das comemorações dos 100 anos da abolição.

Também em 1916 publicou A Bahia de Outr’ora – vultos e factos populares, onde reuniu artigos e crônicas, alguns já publicados em jornais locais e na Revista do IGHBa. Teve sucessivas reedições em 1922 (2. edição), 1946 (3. edição) e 1954 (4. edição).

Em A Bahia de outrora, Querino revelou a sua indignação, ora criticando acintosamente os des-caminhos adotados pelas elites republicanas, ora ironizando ou provocando o leitor atento ao seu testemunho desabonador sobre aquela República implantada. Diferentemente do que se pretendeu com a mudança do regime, que previa igualdade, democracia, cidadania, soluções sociais especialmente para as classes trabalhadoras, Querino apontou o oposto. Não poupou críticas e, conseqüentemente, arregimentou um punhado de inimigos políticos e intelectuais que o pressionaram e o desvalorizaram, especialmente no plano profissional.

Em A raça africana e seus costumes na Bahia, Querino ressaltou, a partir da trajetória do trabalhador africano no Brasil, o seu valor na formação da sociedade brasileira através de seu trabalho e dos costumes trazidos da África.

Descreveu os costumes africanos no candomblé, nas festividades, nos funerais e casamento e sobre a revolta de 1835 (dos malês). Nesse estudo, Manuel Querino protestou “contra o modo desdenhoso e injusto por que se [procurava] deprimir o africano, acoimando-o constantemente de boçal e rude, como qualidade congênita e não simples condição circunstancial, comum, aliás, a todas as raças não evoluídas”. (QUERINO, 1988, pp. 22-23) Artur Ramos, ao comentar esta passagem, a considerou de vanguarda por ter o autor se insurgido “contra o preconceito de inferioridade antropológica do negro, atribuindo o seu atraso a contingências socioculturais e não à inferioridade de raça.” (Idem, Nota 5, p. 77).

São trabalhos reveladores da sua capacidade de pesquisador, historiador, etnólogo e escritor que denunciou, criticou, provocou, política e intelectualmente, desconfianças frente aos rumos da produção de conhecimentos nas áreas da história, sociologia, antropologia e etnologia, ao revelar a temática popular e do negro com uma abordagem que ia de encontro às teorias raciais em voga.Resgatou, positiva e afirmativamente, a participação produtiva, criativa e digna de africanos e descendentes, contestando as teorias raciais do século XIX que os consideravam raça inferior e incapaz de criar civilização. Procurando compreender a sua ancestralidade, Querino enveredou pelas ruas de Salvador, nas oficinas de negros artesãos, nos botequins e candomblés, por lugares onde pudesse encontrar africanos, na tentativa de salvar o que sobrevivia na memória de homens e mulheres em seus saberes clandestinos e misteriosos. Pesquisou, na sua tarefa de etnólogo, o mundo africano, e resgatou valores culturais, sociais e políticos ameaçados de extinção da memória nacional através da política de “branqueamento” aplaudida pela civilização tropical republicana.

O colono preto como fator de civilização brasileira, foi apresentado no 6º Congresso Brasileiro de Geografia, ocorrido em Belo Horizonte, e publicado em primeira edição em 1918. Depois, em 1938, foi inserido na coletânea Costumes Africanos no Brasil, organizada e prefaciada por Artur Ramos e depois em 1988. Na sua 2. Edição, de 1954, levou o título de O Africano como Colonizador. Nesse texto, Querino discorreu sobre a importância do africano para a civilização brasileira, referindo-se à prática da colonização portuguesa pelo colono branco e pela escravidão indígena e africana. Este estudo veio marcar a sua discussão acerca da trajetória de sofrimentos e resistências dos africanos, transformados em referências de força e dedicação com que produziram a cultura brasileira. Tratou da chegada do africano no Brasil, suas habilitações, primeiras ideias de liberdade, suicídio e violência contra os senhores, resistência coletiva, Palmares e levantes parciais, juntas de alforrias e o africano na família e seus descendentes notáveis nas artes, na política, na educação. Querino recuperou a cultura africana, experimentada e pesquisada através da tradição oral, e inaugurou, positivamente, a abordagem etnográfica da formação da sociedade brasileira a partir da influência africana. Estabeleceu, a priori, um debate em torno das teorias raciais apoiadas na eugenia e inspiradas em Lombroso, cujo principal seguidor na Bahia foi Nina Rodrigues. Com esse referencial interpretativo sobre a raça africana, estabeleceu um diálogo com Nina Rodrigues através das afirmações “não-científicas” de um e das análises “científicas” de outro.

Para Querino, as ideias racialistas em voga não poderiam corresponder à realidade brasileira, e baiana em particular, pois o valor e a contribuição do negro era inegável na constituição da nossa nacionalidade. Foi, a partir da colaboração do braço e do talento negros que o Brasil havia se tornado próspero, “independente, nação culta, poderosa entre os povos civilizados.” (QUERINO, 1988, p 122). Entre tantas formas de contribuição “competia-lhe, portanto, um lugar de destaque, como fator da civilização brasileira.” (Idem, ibidem). Argumentando a favor do mestiço, valorizando a sua atuação na política, na literatura, nas artes, afirmou:

Do convívio e colaboração das raças na feitura deste país procede esse elemento mestiço de todos os matizes, donde essa plêiade ilustre de homens de talento que, no geral, representaram o que há de mais seleto nas afirmações do saber, verdadeiras glórias da nação. (Idem, p. 123)

Desde o seu falecimento em 1923, diversas notícias se multiplicaram no sentido de homenagear o “pranteado” artista, professor, historiador, folclorista. Na maioria marcando o seu perfil de trabalhador incansável e do intelectual inteligente. Sua obra foi, simultaneamente, acolhida e criticada. Enquanto alguns intelectuais o consideravam fonte privilegiada para os estudos das artes, dos costumes, das tradições e dos africanos, outros passaram a questionar o valor da sua produção, a exemplo do pesquisador das artes na Bahia, Carlos Ott.

A partir dos anos de 1930 as versões escritas sobre Querino foram concentradas na sua obra, especialmente relativas aos trabalhos sobre o negro na Bahia, período em que os estudos sobre a mestiçagem e a influência africana na cultura nacional foram-se tornando tema preferencial da antropologia. Em 1938 foram reeditados alguns dos seus trabalhos na coletânea Costumes Africanos no Brasil organizada por Artur Ramos, na qual o próprio Ramos salientava ser aquele período caracterizado por um movimento de interesse pelo “problema do negro, no Brasil, não [podendo] ser esquecida a contribuição de Manuel Querino”. (QUERINO, 1938, p. 5 (Prefácio e Notas de Arthur Ramos).

Dentro do longo período de silêncio que desabou sobre a obra de Nina Rodrigues – quase dois decênios! – a única voz que se levantou, cheia de entusiasmo e de emoção, em defesa do Negro brasileiro, foi a de Manuel Querino, na Bahia, falando da contribuição do africano à civilização brasileira.” QUERINO, 1938, p. 5 (Prefácio e Notas de Arthur Ramos).

A partir da análise crítica da sua obra, conclui-se que a atitude intelectual de Manuel Querino é incontestável. Apesar das críticas agudas ao seu trabalho de pesquisador, bem como dos elogiosos depoimentos de contemporâneos, a sua produção intelectual perseguiu propósitos científicos da época, além de incluir métodos inovadores utilizando-se da memória e da oralidade. Questionou sobre verdades históricas reproduzidas sem as devidas averiguações. Polemizou e interrogou a história dita “oficial”. Utilizou-se da oralidade como fonte plausível de informações. A sua literatura respondia criticamente aos valores projetados para a implantação da Bahia “civilizada”, constatando, historicamente, sobre a necessidade de considerar os elementos populares representados pelos trabalhadores, africanos e afro-brasileiros como essenciais na construção da civilização brasileira.

Entre tantos elementos que destacou sob a ótica de quem viveu a força dos preconceitos, denunciou o quanto a cultura popular estava sendo rapidamente obscurecida pelas luzes da civilização e do progresso. Decepcionado com o destino de trabalhadores livres e libertos pela Lei de 13 de maio de 1888, que oficializava a universalização do trabalho livre, no pós-abolição e na República, Querino morreu reivindicando o lugar do africano e de seus descendentes no seio de uma sociedade justa, inclusiva e cidadã.

 

BIBLIOGRAFIA DE MANUEL QUERINO

 

ARTIGOS

ANO

TÍTULO/LOCAL/VEÍCULO DE PUBLICAÇÃO

ASSUNTO

1905

Os Artistas Baianos – indicações biográficas / Salvador-Bahia / Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, no. 31 (pág. 93-115)

Escultura, arquitetura, pintura, engenharia através da trajetória de diversos artistas.

1908

Contribuição para a história das artes na Bahia – José Joaquim da Rocha / Salvador-Ba / Revista do IGHB, no. 34 (pp. 79-82)

Sobre o pintor José Joaquim da Rocha e sua origem.

1909

Teatros da Bahia / Salvador-Ba / Revista do IGHba, no. 35 (pp. 117-133)

Sobre a época de florescência do teatro dramático e sua função educativa e social e critica à situação de decadência em que se encontra.

1910

Contribuição para a História das Artes na Bahia – os quadros da Catedral. / Salvador – Ba / Revista do IGHBa, no. 36 (pp. 59-66)

Sobre 16 quadros existentes na Catedral Basílica de Salvador, identidade desconhecida dos seus autores e especula sobre a possível origem europeia,

1910

Contribuição para a História das Artes na Bahia – Notícia biográfica de Manuel Pessoa da Silva / Salvador – Ba / Revista do IGHBa, no. 36 (pp. 137-144)

Texto laudatório sobre a literatura satírica de Pessoa da Silva e sua biografia.

1913

Episódio da Independência I / Salvador-Ba / Revista do IGHBa, nos. 37-39 (pp. 221-230)

Discute sobre a atuação de Labatut na guerra de independência na Bahia e se posiciona contra a sua elevação a grande herói em detrimento de outros nomes importantes considerados por ele também heróis. Conclama o reconhecimento e homenagens a todos os batalhadores e heróis da guerra.

1913

A Bahia e a Campanha do Paraguay / Salvador – Ba / Jornal de Notícias, 03/09/1913

Memórias sobre a Guerra do Paraguai e a presença popular.

1913

As Cavalhadas / Salvador-Ba / Jornal de Notícias, 03/11/1913.

Sob o título: A Bahia de Outrora.

Fala dos tempos coloniais e as diversões em torno das cavalhadas.

Obs. Críticas do uso do africano nestas diversões.

1914

A litografia e a gravura / Salvador-Ba / Revista IGHBa, no. 40, pp. 36-38, com 5 ilustrações de página inteira

Breve histórico sobre a gravura (geral e na Bahia), citando alguns artistas que trabalharam com gravuras na Bahia e veículos de impressão.

1916

Primórdios da Independência / Salvador- Ba / Revista IHGBa, vol. 42, pp. 41-47.

Discorre sobre as causas “verdadeiras” da Independência do Brasil, colocando como fator primordial o sofrimento do povo causado pelo absolutismo ferrenho da metrópole, especialmente sobre índios e negros.

Maio de 1919

Candomblé de Caboclo (ligeiras notas a propósito de uma oferta feita ao Instituto pelo Coronel Arthur Atahyde de objetos pertencentes a um famoso Candomblé de caboclo da cidade do Salvador) / Salvador-Ba / Revista IGHBa, vol. 45 – pp. 235-236.

Sobre a origem do candomblé de caboclo – convivência íntima do africano com os indígenas catequizados pelo catolicismo, como rito intermediário da fusão dos elementos supersticiosos do europeu, africano e silvícola.

1923

Notícia Histórica sobre o 2 de Julho de 1823 e sua comemoração na Bahia / Salvador-Ba / Revista IGHBa, vol 48, pp. 77-105 (incompleto)

Narra os acontecimentos que marcaram a guerra da independência na Bahia e a vitória brasileira que culminou nos festejos populares. Reúne diversos poemas sobre o 2 de julho criados por petas populares.

1923

Os Homens de Cor preta na História. / Salvador-Ba / Revista do IGHBA, vol 48, pp. 353-363

Reúne diversas biografias de professores, padres, médicos, engenheiros, escritores, músicos, advogados, militares, vereador de origem negra.

1923

Um bahiano ilustre – Veiga Murici / Salvador-Ba / Revista IGHBa, vol. 48, pp. 269-273.

Último trabalho histórico-literário que escreveu para o IGHBa

Biografia do professor, lingüista, escritor, poeta e músico João da Veiga Murici. Foi o último trabalho composto por Manuel Querino para leitura no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.

 

LIVROS PUBLICADOS

ANO

TÍTULO/LOCAL/VEÍCULO DE PUBLICAÇÃO

ASSUNTO

1903

Desenho Linear das Classes Elementares (30pgs.) / Bahia

Manual Didático

1909

As artes na Bahia (Escorço de uma contribuição histórica) / Salvador-Ba / Bahia: Typ. E Encadernação do Lyceu de Artes e Offícios.

Coleção de artigos publicados no jornal “Diário de Notícias” durante os anos de 1908 e 1909 sob o título de “Contribuição para a História das Artes na Bahia”. Trata do tema das artes em seus aspectos históricos, sociais, políticos e produtivos, através de biografias e debates sobre questões relativas a trabalhadores artistas e operários.

1913

Aa Artes na Bahia (Escorço de uma Contribuição Histórica). / Salvador-Ba / 2. edição melhorada. Officinas do Diário da Bahia, 241 pags.

Coleção de artigos publicados no jornal “Diário de Notícias” e “Jornal de Notícias” durante os anos de 1908 e 1909 sob o título de “Contribuição para a História das Artes na Bahia”.

Arquitetura, Escultura, Monopólio do Ensino, Exposições artísticas e industriais, decadência das artes, Desenho Geométrico, classificação das artes, teatros da Bahia, traços biográficos de diversos artistas e alguns artigos sobre operários políticos, movimento operário na República e Congresso Operário. Todos eles retratam a crítica da situação atual das artes e das profissões na República e, em conseqüência, a situação de penúria dos artistas e trabalhadores em geral. Trata-se de um texto carregado de conteúdo político.

1909

Artistas Baianos – indicações biográficas / Rio de Janeiro / 207 pags, ilustrações no texto e 6 estampas no fim.

Coleção de biografias de artistas de diversas áreas de atuação: pintura, escultura, música, arquitetura, desenho, engenharia, construção, carpintaria, marcenaria, gravura, música, etc. São pequenos currículos profissionais que elogiam a atuação do artista nacional e local, incluisve do próprio Querino.

1911

Artistas Baianos – indicações biográficas / Salvador-Ba / 2. edição melhorada, cuidadosamente revista. Bahia: Officina da Empresa “A Bahia”.

258 pags numeradas e 36 ilustrações de página inteira.

Escultura, arquitetura, desenho, pintura, engenharia, música, entre outras profissões relacionadas à construção civil através de artistas e operários por ele identificados como os mais importantes para a história das artes na Bahia, com biografias profissionais (currículos), inclusive sobre o próprio Querino.

1911

Elementos de Desenho Geométrico – comprehen-dendo noções de perspectiva linear, teoria da sombra e da luz, projeções e arquitetura / Bahia / Bahia: Papelaria e Tipografia Baptista Costa.

Manual Didático

1914

Bailes Pastoris / Salvador – Ba / Sem edição. (42 pags)

Compilação de músicas e letras dos bailes pastoris.

1916

A Bahia de Outrora – Vultos e Fatos Populares /Salvador-Ba / Bahia: Econômica.

VII e 194pp – neste livro estão reeditados artigos identificados neste quadro sob nos. 9, 11, 14, 15 e 21

Coletânea de 59 títulos, entre artigos, crônicas, narrativas, notícias históricas comentadas compõe um mosaico de acontecimentos, à primeira vista desconexos. São temáticas que variam de fatos políticos relevantes à intimidade de um lar.

Questiona, comenta e critica os caminhos adotados pela República da “ordem” e do “progresso”. Narra, descreve, noticia o povo nas diversas cenas da cidade no período de transição do Império para a República e implantação do novo regime, abordando temáticas das festividades, do patriotismo, dos ritos e crenças, das manifestações culturais de origem africana, das cenas do cotidiano, da educação, do trabalho. São temas, em sua maioria, incluídos entre os territórios do passado imperial e presente republicano.

Estão fixadas as tradições populares na Bahia, traduzidas pelas festas, culinária, costumes familiares, cotidiano, religiosidade, fatos históricos, nos quais a presença do negro, escravo, africano ou livre, o povo em geral, se faz constante. O pano de fundo está a crítica à República.

1922

A Bahia de Outrora – Vultos e Fatos Populares: / Salvador-Ba / Bahia, 2. ed. Aumentada, VII, 301 e II páginas numeradas.

Idem referido à 1. edição.

1951

A Arte Culinária na Bahia / Salvador / Livraria Progresso Editora.

Idem. Prefácio de Bernardino Souza

1938

Costumes Africanos no Brasil / Rio de Janeiro /Livro (351 pp.) – ilustrado

Organizado e prefaciado por Artur Ramos.

Coletânea contendo estudos de Manuel Querino referentes à cultura e influência dos africanos no Brasil:

1. A Raça Africana e os seus costumes na Bahia (sem Os homens de cor preta na História, publicado na ed. 1955).

2. Apêndice – Candomblé de Caboclo

3. O Colono Preto como fator da civilização Brasileira

4. A Arte culinária na Bahia (incluindo artigo “A Culinária Brasileira – A Apotheose em Paris do vatapá e da frigideira de Siris” publicado por Constâncio Alves em A Tarde de 16/10/1930.

5. Notas de folclore negro – excertos de A Bahia de Outrora.

1988

Costumes Africanos no Brasil / Recife / 2. edição ampliada e comentada. Fundação Joaquim Nabuco – Editora Massangana

(Prefácio, notas e organização de Raul Lody com apresentação de Thales de Azevedo)

Reúne os mesmos títulos da edição de 1938.

 

 

Manuel Querino: A defesa do africano e seu legado –  Por Helen Sabrina Gledhill

Indo de encontro ao pessimismo racial da maioria dos intelectuais brasileiros da sua época, Manuel Querino inseriu-se na ilustre tradição do black vindicationism – autores negros e brancos que defenderam o negro na época em que o racialismo predominava nos mundos da ciência, academia e política. Começou como uma tática utilizada pelos proponentes do abolicionismo – apresentando representações respeitáveis e dignas de africanos e afrodescendentes, tanto escritas como visuais.

Manuel Querino tentou “aparar o golpe do proeminente etnólogo Nina Rodrigues, defendendo os negros e exaltando suas qualidades[...]. Poder-se-ia acrescentar, estava particularmente interessado na reabilitação do mestiço urbano alfabetizado; de aspirações pequeno-burguesas, e seu papel pode ser comparado ao de Booker Washington nos Estados Unidos, de quem era fervoroso admirador” (BROOKSHAW, 1983, p. 55). Segundo o historiador estadunidense E. Bradford Burns, nenhum afro-brasileiro havia até então dado sua perspectiva da História do Brasil. Ao voltar sua atenção para a História, Querino esperava reequilibrar a ênfase tradicional da experiência europeia no Brasil. Querino surgiu como um dos primeiros brasileiros a detalhar, analisar e fazer justiça às contribuições africanas ao seu País (1993, p. 320). Utilizou o Darwinismo Social para seus próprios fins: mesmo acreditando que os africanos fossem “não evoluídos”, ele viu no seu próprio exemplo e o de outros eminentes baianos negros cujas vidas registrou, que, quando o afrodescendente é respeitado e devidamente instruído, sua evolução social e econômica é garantida.

Burns afirma que uma das maiores contribuições de Querino à historiografia brasileira foi sua insistência para que a História Nacional levasse em consideração suas raízes africanas e a presença e influência dos africanos. O Brasil, segundo Querino, era o resultado da fusão entre portugueses, índios e africanos, mas a contribuição dos africanos estava sendo menosprezada (Ibidem, p. 321). Ele ratificou estas contribuições em seu livro O colono preto como fator da Civilização Brasileira (1918). Ao enfatizar o papel do afrodescendente como colono em vez de escravo, o próprio título mostra sua intenção. Chega à conclusão que “o colono preto, ao ser transportado para a América, estava já aparelhado para o trabalho que o esperava aqui, como bom caçador, marinheiro, criador, extrator do sal abundante em algumas regiões, minerador de ferro, pastor, agricultor, mercador de marfim, etc. Ao tempo do tráfico, já o africano conhecia o trabalho da mineração, pois lá abundava o ouro, a prata, o chumbo, o diamante e o ferro” (1918, p. 11-12). Também enfatizou o papel do negro na defesa da integridade territorial do País. O colono preto é uma resposta contundente à ideologia de Gobineau e de outros adeptos do racialismo científico. Nele, Querino destaca não somente os conhecimentos que o africano trouxe ao Brasil como “colono” e sua contribuição ao desenvolvimento do país, como também compara os “espártacos africanos” aos escravos gregos na Roma Antiga, observando que: “os escravos gregos eram instruídos, tanto nos jogos públicos como na literatura, vantagens que o africano escravizado na América não logrou possuir, pois o rigor do cativeiro que não consentia o menor preparo mental, embotava-lhe a inteligência” (1938, p. 148-149).

No caso do Quilombo de Palmares – a “Troia Negra” –, a comparação favorece os quilombolas:

O escravo grego ou romano, abandonando o senhorio, não cogitava de se organizar em sociedade regular, em território de que porventura se apoderava; vivia errante ou em bandos entregues a pilhagem.

A devastação, de que se fizeram pioneiros os escravos romanos, inspirava terror a todos os que tinham notícias de sua aproximação. Os fundadores de Palmares não procederam de igual modo; procuraram refúgio no seio da natureza virgem e aí assentaram as bases de uma sociedade, a imitação das que dominavam na África, sua terra de origem, sociedade, aliás, mais adiantada do que as organizações indígenas (Idem, ibidem, p. 149).

Esta comparação entre o “escravo grego ou romano” e o escravo africano é de suma importância. Até hoje, as civilizações da Grécia e da Roma Antiga são consideradas o berço da civilização europeia. Seguindo os princípios do Darwinismo Social, Querino sugere que, uma vez que os africanos também se encontravam na “etapa evolucionária” da escravidão, a África, por sua vez, poderia ser pelo menos um dos berços da civilização brasileira.

Fortalecendo este argumento, na apresentação de A raça africana e os seus costumes na Bahia, Querino cita Rocha Pombo, indicando que o Quilombo dos Palmares teria introduzido o conceito da república no Brasil: “‘Quem havia de pensar que estes homens sem instrução, mas só guiados pela observação e pela liberdade, foram os primeiros que no Brasil fundaram uma república, quando é certo que ainda naquele tempo, não se conhecia tal forma de governo, nem dela se falava no país?’” (Idem, ibidem, p. 23). Nisto, também, os africanos e seus descendentes poderiam ser comparados aos gregos e romanos da antiguidade, grupos considerados não apenas “civilizados”, mas os próprios geradores da civilização ocidental, pelo pensamento prevalecente nos meios científicos e culturais da época de Querino e da nossa.

Além de reunir dados biográficos em Artistas bahianos (1911), Querino cuidou de resgatar as histórias de vida de eminentes artistas e artesãos brancos, mestiços e negros, e incluiu sua própria autobiografia. Em O colono preto, fornece a seguinte relação de nomes ilustres:

Sem nenhum esforço, pudemos aqui citar o Visconde de Jequitinhonha, Caetano Lopes de Moura, Eunápio Deiró, a privilegiada família dos Rebouças, Gonçalves Dias, Machado de Assis, Cruz e Souza, José Agostinho, Visconde de Inhomirim, Saldanha Marinho, Padre José Maurício, Tobias Barreto, Lino Coutinho, Francisco Glicério, Natividade Saldanha, José do Patrocínio, José Teófilo de Jesus, Damião Barbosa, Chagas, o Cabra, João da Veiga Muricí e muitos outros, só para falar dos mortos (1918, p. 36).

Um de seus últimos trabalhos foi um artigo biográfico sobre o intelectual, poeta e músico negro João da Veiga Muricí publicado, em 1922, na segunda edição do livro Bahia de outrora com o título “João da Veiga Muricí”, e postumamente, em 1923, na Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (n° 48), intitulado “Um baiano ilustre – Veiga Muricy”.

No mesmo número da Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia foi publicado um artigo de Querino intitulado “Os homens de cor preta na Historia”, com dados biográficos (em muitos casos, escassos, com apenas 3 linhas) de 38 ilustres afrodescendentes: médicos, militares, religiosos, revolucionários, bacharéis, músicos e educadores, um dos quais, Emigdio Augusto de Mattos, que faleceu no terceiro ano do curso de engenharia civil na Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Segundo Querino, “No último período do regime monárquico, a maior parte dos professores públicos primários desta capital e seus subúrbios foram homens pretos. Os contemporâneos recordam-se, com saudade, desses amigos da infância” (NASCIMENTO e GAMA 2009, p. 191). Também cita vários oficiais negros (tenentes e alferes), inclusive Manuel Gonçalves da Silva, “o oficial que assumiu o comando das armas e governo da província após o assassinato, em 1824 [durante o Levante dos Periquitos], do coronel Felisberto Gomes Caldeira” (BACELAR, 2009, p. 181-182). Embora para a maioria não haja datas de nascimento e morte, quase todas as personagens negras citadas por Querino são do século XIX. Neste esforço de dar visibilidade ao negro, o intelectual baiano seguia o exemplo da imprensa negra que, no século XIX, procurou apresentar personagens ilustres “de cor” como referências positivas para o negro a fim de combater os estereótipos que o cercavam e ainda o cercam no Brasil. Segundo Jeferson Bacelar:

Antecipando em muito algumas perspectivas da militância do movimento negro contemporâneo, ele [Querino] reagia à invisibilidade do negro na história brasileira e intentava, com a inserção de personagens ilustres, construir um novo panteão, para além dos sujeitos históricos consagrados (brancos). Divergia da perspectiva historiográfica vigente que, de forma geral, considerava o negro apenas coletivamente – sobremodo na condição de escravo – e desconhecia a sua presença individual na constituição da sociedade (BACELAR 2009, p. 181, grifo nosso).

Em A raça africana, Querino dá o exemplo dos religiosos negros observados por Padre Vieira na Ilha de Cabo Verde no século XVII: “Há aqui clérigos e cônegos tão negros como o azeviche, mas tão compostos, tão autorizados, tão doutos, tão grandes músicos, tão discretos e bem morigerados que fazem invejas aos que lá vemos nas nossas catedrais” (1938, p. 23). E assim arremata o argumento: “Do exposto devemos concluir que, somente a falta de instrução destruiu o valor do africano” (Idem, ibidem).

A marginalização do negro também é refletida na sua representação no imaginário. No Brasil, o problema maior é o “apagamento intencional da imagem do negro na sociedade brasileira” (PEREIRA e GOMES, 2001, p. 134). Querino reagiu a representações derrogatórias do negro e tentativas de utilizar fotografias antropométricas ou somatológicas para justificar a ideologia cientificista da suposta superioridade do branco e insurgiu com outro tipo de imagem: do negro bem-vestido ou fardado, e quando vestindo trajes “exóticos”, como a vestimenta do Candomblé, em poses sérias e altivas. Também divulgou retratos dele mesmo, com poses que refletiam um ar de segurança e autoridade. Uma dessas imagens, que ilustra a segunda edição de Artistas bahianos, é assinada, seguindo o estilo em voga, mas sem dúvida para enfatizar que ele era letrado, numa época em que poucos negros eram sequer alfabetizados.

Um “homem de cor preta” que conquistou um lugar de destaque na sociedade baiana, primeiro como jornalista e líder operário e depois como pesquisador e autor, Querino tentou utilizar sua posição para defender o legado afrodescendente. Segundo Burns, “Seus estudos tinham dois objetivos. Por um lado, Querino queria mostrar a seus irmãos de cor a contribuição fundamental que deram ao Brasil; e por outro ele desejava lembrar aos brasileiros de origem europeia da dívida que tinham, e têm, com a África e com os afro-brasileiros” (1974, p. 82).

 

 

Referências
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Periódicos

Diário da Bahia, 23/06/1892

Diário de Notícias, 30/11/1899; 29/11/1900; 07/05/1909; 15/02/1923;

Jornal de Notícias, 24 e 31/01/1893

A Bahia, 24/05/1896

Cidade do Salvador, 13/07/1897

Diário da Tarde de Ilhéus, 11/04/1935
Autoria

Autores(as) do verbete:

Helen Sabrina GledhilleMaria das Graças de Andrade Leal

D536

Dicionário Manuel Querino de arte na Bahia / Org. Luiz Alberto Ribeiro Freire, Maria Hermínia Oliveira Hernandez. – Salvador: EBA-UFBA, CAHL-UFRB, 2014.

Acesso através de http: www.dicionario.belasartes.ufba.br
ISBN 978-85-8292-018-3

1. Artes – dicionário. 2. Manuel Querino. I. Freire, Luiz Alberto Ribeiro. II. Hernandez, Maria Hermínia Olivera. III. Universidade Federal da Bahia. III. Título

CDU 7.046.3(038)

 

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